Tira-Tira.net volta ao ciberespaço
March 30th, 2008PARA DIVULGAÇÃO IMEDIATA OU QUANDO DER JEITO
O site de tiras (“cartoon”) Tira-Tira.net anunciou o seu regresso durante uma apresentação à imprensa e convidados, que decorreu na Sala Panorama do Hotel Altis, em Lisboa, no passado dia 30 de Março.
Entre os presentes, estiveram alguns notáveis da vida pública nacional, colunistas e colunáveis – uma combinação sempre arriscada –, não faltando também alguns políticos e membros do governo da chamada “segunda linha”.
Durante a recepção, assistida por raparigas jovens em trajes exóticos e sensuais, um conhecido secretário de Estado afirmou que “a banda desenhada e os desenhos animados sempre foram prioridade dos nossos governos”. Em seguida, dirigiu-se para a mesa, serviu-se de mais vinho branco e meteu camarões no bolso.
Num ecrã gigante eram projectados “slides” com várias das tiras publicadas no site Tira-Tira.net, perante a hilaridade geral. À medida que a recepção se aproximava do final, foi possível confirmar o que alguns mentores do projecto visavam provar: o consumo de álcool facilita a apreciação de humor particularmente complexo.
Para surpresa geral, o evento terminaria sem a esperada apresentação oficial ou, como é mais conhecida no meio dos que frequentam regularmente recepções e outras actividades sociais similares, “o paleio”.
Tira-Tira.net está online em tira-tira.net desde 30 de Março com algumas dezenas de tiras, anunciando a publicação de “uma tira diária de vez em quando”.
PÚBLICO-ALVO
Tira-Tira.net visa um público adulto, classe ABC – isto é, com um excelente nível de literacia –, dos mais variados estratos sociais, até às classes médias médias. Apesar de não reconhecer a legitimidade da existência de “classes” sociais, a linha editorial já não abrange a classe média alta (fascistas), considerando como tal todos os “classe média” que atinjam o valor 4.5 (a partir do qual se arredonda para 5 e passa a “média alta”).
BREVE HISTÓRIA
A nova geração não faz ideia do que é Tira-Tira.net nem o que representa, mas os mais velhos sabem bem o que significava algumas décadas atrás. O projecto iniciou-se em meados dos anos 50 e manter-se-ia até pouco depois da revolução de 1974, que marcou a transição de um regime fascista para uma espécie de democracia dos ricos.
Durante o antigo regime, Tira-Tira.net foi um dos movimentos de resistência mais fortes, utilizando as “bandas desenhadas” para manter vivos os ideais revolucionários nas consciências de operários, camponeses e intelectuais.
Era muito complicado conseguir operar na altura, pois os esbirros de Salazar estavam em toda a parte. Os servidores do site tinham de ser constantemente movidos, de aldeia em aldeia. Nos anos 50, os computadores eram maiores. O servidor onde se alojava o Tira-Tira.net tinha de ser ocultado num carro de bois de transporte de palha, para ser transportado. Era difícil não levantar suspeitas, sobretudo quando se utilizavam oito animais para puxar uma carroça de palha.
O processo de publicação de uma tira era penoso, mas todos os envolvidos estavam motivados, apesar de saberem que arriscavam prisão, a morte ou torturas desagradáveis nas mãos dos cães da PIDE. O formato revolucionário e inovador das tiras – 675 por 275 píxeis – foi estabelecido muito cedo. A própria elaboração das tiras era também inovadora para a altura, com a utilização de filtros de Photoshop que ninguém sequer sabia que existiam (na versão 1.0, o nome do conhecido software de edição gráfica ainda se escrevia com ph).
O processo de digitalização da tiras – ou “varrimento electrónico para transferência para computador”, como se dizia então – era muito primitivo, por comparação com as tecnologias modernas. Uma imagem precisava de ser “scaneada” (um termo mais popular com os jovens de hoje) três vezes; uma para cada camada de cor (R/G/B). Isto apesar da maioria das tiras serem a preto e branco, mas a divisão de tarefas e o secretismo envolvido implicava que cada pessoa se limitasse a dar o seu contributo para a causa sem fazer perguntas.
As fases de concepção, desenho, digitalização e publicação e gestão do site estavam divididas por entre dezenas de pessoas, em várias cidades e aldeias do país. Entre essas pessoas estabeleceu-se uma rede de comunicações onde circulavam mensagens codificadas. O processo de encriptação era já complexo para a época. M., filho de uma das pessoas que trabalhou para o site, lembra algumas das histórias que o pai lhe contava: “a codificação do texto consistia em trocar todos os ‘A’ por ‘Z’. Isso desconcertou a PIDE durante muito tempo, pois pensavam que a malta ia, quanto muito, no ‘J’.”
As pessoas esperavam por vezes duas semanas até conseguirem “sintonizar” uma tira nova. E quando conseguiam, demorava até conseguirem lê-la pois as velocidades da PT eram muito limitadas na altura, e o ecrã carregava linha a linha. Por comparação, uma tira podia demorar 30 minutos a carregar em 1960, enquanto hoje nunca demoraria mais de 20.
A lentidão da Internet comprometia o ritmo de apreciação das tiras. João [nome falso], hoje um reformado que passa as tardes num jardim do centro de Setúbal, enquanto espera pela morte, descreve essa sensação. “Às vezes, depois de dez linhas no ecrã vinham-nos as lágrimas aos olhos só com a expectativa! Mas um quarto de hora depois podia acontecer que chorássemos mesmo, porque afinal aquilo não tinha ponta por onde se lhe pegasse.” Mas era um triunfo da liberdade.
Os heróis do Tira-Tira.net, que geriram o site durante o regime de Salazar permanecem anónimos. Nunca foram reconhecidos pelo Estado e mesmo textos como este insistem em usar uma inicial, sem nenhuma razão aparente.
Uma dessas pessoas, A., era bibliotecária em Beja, e durante 30 anos “transferia” as tiras, píxel a píxel, para o sistema WordPress. Nunca foi apanhada, pois o sistema informático estava camuflado de forma a que se alguém se aproximasse sem ser anunciado o que veria no ecrã seria a catalogação de um livro como “A Vida e os Amores de Mussolini, Vol. III”.
O último autor vivo, P., deixou o seu testemunho, semanas atrás. “Era muito difícil fazer uma tira e sobretudo fingir que era um simples talhante. As Wacoms nos anos 60 eram do tamanho da mesa toda e as pens tinham de ser operadas com as duas mãos, devido ao peso.” P faleceu pouco tempo depois destas declarações.
A Tira-Tira.net viria a definhar em meados de 1975, quando muitos dos seus operacionais se aburguesaram. Mas, mais do que isso, seria a concorrência de publicações em papel, como “A Gaiola Aberta” e o “Riso Mundial”, que viriam a canalizar as atenções do público, através de um notório “baixar o nível” do humor feito em Portugal.
A subtileza e o humor refinado têm feito poucas aparições no nosso país desde então, mas o regresso de Tira-Tira.net com uma nova e dinâmica equipa, vem cobrir um espaço há muito vazio e que suplicava que o preenchessem, carinhosamente ou mais à bruta.
30.03.2008
Paula Maria Portas,
Dep. Imprensa Tira-Tira.net
March 31st, 2008 10:58
Sejam bem aparecidos!
April 1st, 2008 0:37
Sejam bem. (ponto)