Caralho e cona finalmente na nossa Língua
August 14th, 2009Depois de anos de luta por parte de entusiastas do bom uso da língua – onde se incluem, entre muitos outros, Saramago, Graça Moura ou CiEL -, os guardiões da chave do sistema, i.e., as editoras que publicam os dicionários e, por esse meio, “legitimizam” o uso que lhe damos (à língua), começaram finalmente a ceder e a dizer “não!” e “ah, chega, foda-se!”, à patética censura que tem espirrado nhaca viscosa sobre os grossos volumes que registam o nosso vocabulário, e que se pretendiam completos e rigorosos.
A atitude puritana, que bloqueava a integração de termos tão coloridos quanto essenciais à comunicação do dia-a-dia de portugueses e portuguesas, e que pretendia, porventura, colocar tão distinto povo, no plano do inter-relacionamento oral, ao nível de uma qualquer comunidade evangélico-creacionisto-fascista perdida no meio de uma metrópole norte-americana, estará, assim, à beira de ficar tão extinta como os dinossauros e a Green Sands.
É, pois, com manifesto prazer e, até, algum alívio, que desde há algum tempo podemos encontrar nos dicionários online da Porto Editora e da Priberam as palavras que todos usamos no nosso quotidiano, mas que, “misteriosamente”, se recusavam a ser dicionarizadas – algo que enfurecia, e com toda a razão, linguistas e simpatizantes, dando azo, inclusive, a consultas em tom de protesto enfurecido no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (Deus da Língua na Internet, e nosso pequeno consolo pela dor da resistência ao assassinato dos particípios passados duplos).
O “sistema” desistiu finalmente de ser pateta. “Caralho”, “cona”, “foder”, verdadeiros sustentáculos da nossa cultura e da nossa língua, são agora “oficiais”, e estão disponíveis abertamente e sem registos e “passwords”, para consulta de todos os que os melhor queiram entender. As definições ainda não serão perfeitas, nem tão completas quanto seria de desejar, mas temos de compreender que se trata de um esforço levado a cabo por pessoas que, até há pouco, se referiam a termos desta natureza como “a palavra começada por c, com quatro letras”. Será, talvez, uma questão de tempo, até que deixemos de ver nos média mainstream registos como “c…” ou “f…” e outras parvoíces? Ficamos à espera.
Foder
(latim futuo, -ere, ter relações sexuais com uma mulher)
v. tr. e intr. 1. Cal. Ter relações sexuais.
v. tr. e pron. 2. Cal. Deixar ou ficar em mau estado, destruído ou prejudicado.
Cal. foda-se: expressão designativa de admiração, surpresa, espanto, indignação, etc.
Sinónimo Geral: fornicar
(priberam.pt)
verbo intransitivo: vulgarismo, ter relações sexuais; copular
verbo transitivo: vulgarismo, prejudicar; deixar em péssimo estado
verbo pronominal: vulgarismo, prejudicar-se; ficar em péssimas condições;
vulgarismo, foda-se! exclamação que exprime espanto, admiração, impaciência ou indignação
(infopedia.pt)
A esquerda “paritária” poderá ficar irritada com a referência à origem do termo pela Priberam (sexo com uma mulher), por cheirar não só a homofobia como a um asqueroso sexismo. Os gays quando vão ao cu um ao outro não estão a “foder”? A mulher não “fode” – a sua prática tem de ser agriolhada por formas verbais apassivantes? -, só é “fodida”? Por outro lado, essa ala política radical louvaria a Porto Editora que ignora essa origem potencialmente não-PC. Uma e outra, no entanto, no que toca à definição, generalizam q.b.: “ter relações sexuais”. Deste modo, a palavra “foder”, na actual acepção, não descrimina género (mulher também fode), “activos” ou “passivos” (gay que leva fode, mas gay que dá fode também), ou espécie (foder um cão, um tronco de árvore ou uma fotocopiadora, tudo é válido, mas apenas no plano da língua, pois no mundo real são actos vis, além de que o toner é cancerígeno).
Mas, em defesa da Priberam, vestindo a toga do advogado do diabo – não, estou a gozar -, o que eles fazem apenas é referir a origem latina da palavra, por isso, ei, não venham com merdas. Há muitos anos era assim que “foder” se concebia. Bolas, ainda em meados do século XIX, a Rainha Victoria não acreditava que as mulheres pudessem sequer “foder” umas com as outras, coitada.
A definição é, afinal, bastante equilibrada e insusceptível de incomodar as pessoas mais sensíveis do Bloco de Esquerda. Atente-se ao equilíbrio paritário, inclusive no que toca à explanação dos sentidos figurados: um homem tanto pode ficar todo fodido (ferido, magoado) por ser atropelado por um carro, como pode foder um carro todo (atirá-lo contra um muro, quebrar os vidros com um taco de basebol, ignorar os períodos de revisão, etc.)
Caralho
s. m. 1. Cal. Pénis.
interj. 2. Cal. Expressão designativa de admiração, surpresa, espanto, indignação, etc.
(priberam)
nome masculino
vulgarismo pénis;
caralho! exclamação que exprime espanto, admiração, impaciência ou indignação
(Do lat. *caraculu-, «pequena estaca»)
(infopedia)
De registar, apenas a flexibilidade da palavra. Nos exemplos, daríamos primazia também à expressão de alegria (“caralho!”), ao lado do espanto (“caralho!”) ou indignação (“caralho!”), nem que fosse por ser uma emoção mais positiva. Quando à origem do termo, desta vez é a Porto Editora que ganha, devendo frisar-se que a alegada origem nos cestos do topo dos mastros das caravelas é uma parvoíce tão grande como aquelas historinhas-da-Internet-para-as-pessoas-que-acreditam-em-tudo-o-que-está-na-Internet que explicam a origem de “fuck” como a sigla de “fornicar com consentimento do Rei”. Há gente que cai em tudo, pff.
Cona
s. f. cona (ô)
(latim cunnus)
s. f. Cal. Vulva; vagina.
(priberam)
nome feminino
vulgarismo órgão sexual feminino
(Do lat. cunnu-)
(infopedia)
Cona, nunca gostei muito (da palavra). Um professor do liceu, já há muitos anos, explicou que a origem do termo era “rede” em latim. Não sei se o professor estava certo ou errado, mas essa alegada origem está “na Internet”. O que sei é que, hoje em dia, esse professor fodia-se bem fodido por ter essas conversas com miúdos de 12 ou 13 anos.
O site da Priberam oferece outros tipos de informação aos utilizadores, como poder ver que no dia 1 de Junho houve um pico com 3547 procuras por “caralho” (num dia normal, apenas cerca de 500 pessoas fazem essa pesquisa). O mais relevante, no entanto, é a ligação para “palavras relacionadas”, mas é também aí onde se constatam as limitações que ainda existem no tratamento do nosso vocabulário.
Se formos a “cona”, o dicionário indica “conanas”, que define da seguinte forma: conanas (alteração de cona) s. m. 2 núm. Pop. Fracalhão; maricas. Ora, perguntamos, mas que caralho de palavra é “conanas”? “Coninhas” (não dicionarizado ainda) conhecemos (e até achamos simpático), mas “conanas” parece fruto de – não, não, deixem-me reformular, parece um fruto, ou um cocktail que se serve num bar do Bairro Alto, e que é uma grande merda porque só existe por causa do nome “engraçado”.
Nas relações com “caralho”, por outro lado, a única coisa que arranjaram foi “pénis”. Apesar da definição bastante lata, faltam exemplos de utilização e derivações do termo. Deveriam registar-se algumas utilizações mais frequentes em expressões, como “vai para o caralho!”, “- comò caralho”, “caralho mais velho”, etc.
Ainda quanto ao “caralho”, sugeríamos, desde já, a entrada “caralhãozãozorro!” (cal. s.m. forma de expressar um estado de irritação em que se está fodido para lá de fodido), apesar da dificuldade em integrá-la na língua por causa dos dois tiles.
Até ao momento, não nos foi ainda possível verificar se os termos agora “aprovados” já se encontram nas últimas edições em papel dos principais dicionários destas editoras, mas prevemos que o dia em que um tradutor que pretenda passar o insultuoso “vai-te lixar” por um “fuck you” do inglês, ou equivalente de outra língua, seja despedido com justa causa, está aí já ao virar da esquina. E finalmente, finalmente – para citar Brel, pois este texto saiu parquíssimo em citações -, o comum cidadão consumidor de cinema, sobretudo anglófono, deixará de achar peculiar que o banalíssimo “mas que caralho?!” seja usado para traduzir o seu equivalente natural “what the fuck?!”
P.S.: O site da Priberam tem as conjugações dos verbos, pelo que agora ninguém tem desculpa para escrever mal frases como “e se fodêssemos?”, “naquela tarde em que fodêramos”, “se vós foderdes muito, sereis mais saudáveis”, “foderíamos se não te tivesses armado em parvo”, “entrei no quarto e vós fodíeis, suas rameiras”, etc.
August 14th, 2009 20:16
para além de ser prova evidente de
que ciel perdeu o juízo, apreciei o texto.
agora eu cá, em pleno início do séc. XXI,
ainda não consigo acreditar (como a rainha)
que uma mulher possa foder outra. como na
saudosa série do L word, em que se via uma
garota em cima de outra com os dentes
arreganhados a dizer ‘I’m gonna fuck you’, e
começava a esfregá-la com o dedinho…. ná.
quanto a foder um carro todo, aí sim, acho que
deveria ser um verbo conjugado exclusivamente
no feminino.
August 15th, 2009 9:01
Epá, conanas é muito antigo se não conheces é só porque andas distraído, foda-se.
Não esquecer essa fantástica expressão “cona de sabão”.
August 16th, 2009 2:21
Onde é que “conanas” é usado como termo corrente? Em Lisboa só ouvi dizer que haveria uma senhora algures que usaria a expressão, mas ela era da Sertã. As pessoas a quem perguntei, e não foram poucas, responderam “hã?”. Acho que nem no Barreiro, onde usam uma linguagem peculiar. Parece-me algo marginal e pouco expressivo. Mas pode ser erro meu, de facto.
Por outro lado, se se procurar no Google (só sites PT) – e isto é mera referência, claro – temos um resultado de frequência de aproximadamente 15x mais de “coninhas” em relação a “conanas”. A minha argumentação não é que não exista (teria que existir algures, nem que fosse na terra da pessoa que meteu a entrada no dicionário), mas que “coninhas” seria o derivado mais óbvio e corrente.
“Cona de sabão” é sem dúvida uma expressão a colocar de futuro sob “cona”.
Em todo o caso, o mais importante é começar.
August 17th, 2009 10:20
Sim, foder é À fartazana, não é cá com dedinhos, envolve vários cm de carne a entrarem à maluca. Com dedinhos é estimular.
August 17th, 2009 17:21
Vocês… vocês… que falta de sensibilidade. Duas mulheres a rebolarem-se é bonito, é um poema num entardecer de Verão. Deixem-nas “foder”, deixem-nas “casar”. Sobretudo se forem giras.
August 20th, 2009 13:01
Bom, os meus pais usam muito “conanas” e sempre os ouvi dizê-lo quando era miúdo (entre muitas outras coisas que aprendi com eles – tenho uma sólida educação). E os meus pais são ambos de Lisboa, bem como os pais deles.